domingo, 1 de março de 2015

Professor e Pastor HENRICH HALLER...


  As comunidades luteranas no Brasil surgiram a partir de 1824. Em núcleos iniciais como Nova Friburgo (RJ), São Leopoldo (RS), Santa Isabel (SC), Blumenau (SC), Joinville (SC) e Teófilo Otoni (MG) formaram-se comunidades em que pessoas buscavam apoio na palavra de Deus. Depois, esses núcleos receberam pastores que organizaram as comunidades e sínodos, dos quais surgiram duas igrejas luteranas.

  Nas áreas em que os pastores demoraram a chegar, o povo luterano escolhia o professor e o pregador entre os próprios moradores. Nisso, eles seguiam uma orientação de Martim Lutero. Em algumas localidades tais pregadores foram sendo substituídos por pastores formados em seminários na Alemanha ou nos Estados Unidos. Houve, porém, regiões em que as comunidades continuaram com o costume de escolher pastores do seu próprio meio e manter sua autonomia em relação às duas grandes igrejas luteranas. Assim, na metade sul do Rio Grande do Sul ainda hoje existem comunidades livres.

  Em 1992, conheci Heinrich Haller e sua esposa Lina, nascida Stift, em São Lourenço do Sul (RS). Heinrich Haller nascera em 11 de dezembro de 1905 em Erlbach-Alemanha, e nada nele indicava que um dia viraria pastor. A falta de perspectiva de trabalho na Alemanha pós Primeira Guerra Mundial o levou a migrar para o Brasil em 1924.

  Aos 19 anos na época, ele acompanhava um tio e a família deste. Enquanto o tio ficou em Blumenau, Heinrich fez a pé o trajeto de Blumenau a Porto Alegre. As finanças estavam tão ruins, que ele chegou a pernoitar na Delegacia de Polícia e a receber ajuda na Sociedade Auxiliar.

  Em Porto Alegre também não havia trabalho e ele continuou a viagem para Pelotas, onde não foi diferente. Por fim, foi parar na Santa Casa de Misericórdia, cujo porteiro, de nome Stoppe, era natural de Königsberg. Conseguiu serviços de pintura e ficou conhecendo um casal Borck, de São Lourenço do Sul.

  Já haviam passado dois anos desde sua chegada ao Brasil, quando os Borck o convidaram para ir com eles a Boa Vista, onde residiam e onde encontraria trabalho. “Aqui você pode tornar-se professor e até pastor”, disse-lhe Mutter Borck. Em Boa Vista conheceu Lina, a filha do pastor Hans Stift, sucessor do pastor Hermann Remde, ambos eleitos pelo povo do seio do povo. Na casa do sogro, Heinrich manteve uma alfaiataria após o casamento.

  Em 1929, colonos de uma das comunidades do sogro convidaram-no para que se tornasse professor de seus filhos. Ofereceram-lhe moradia, terra para plantar e salário anual de 800 mil-réis. Seus alunos não vinham para a escola por muito tempo. Os pais valiam-se da mão-de-obra dos filhos. Para essa sua comunidade escolar, a Weihnachtsschule (escola natalina), uma tradição trazida da Pomerânia, era importante. Durante o período que antecedia o Natal, o professor Haller contava a história do Natal e preparava as crianças para a apresentação natalina.

  Após a morte do sogro, Heinrich foi convidado a assumir as funções pastorais. Era professor e pastor. Como professor, só conseguiu atuar até 1942, quando o governo Vargas o proibiu de continuar lecionando. As crianças ficaram sem escola. Os cultos tiveram que ser dirigidos em português. A Bíblia, o Catecismo Menor de Lutero, um livro de pregações e textos de pregadores de boa cepa pietista o auxiliaram na pregação e no ensino. Com muito amor acompanhou seus paroquianos até 1977.

  Hoje suas comunidades estão integradas na IECLB. Perguntei-lhe quem o auxiliara no trabalho pastoral, e ele apontou para Deus em Jesus Cristo. Depois, com os olhos brilhando, disse: “... e a esposa do pastor. Sem a esposa, quase tudo teria sido impossível. Ela financiava meu ministério, conseguindo o sustento da lavoura. As comunidades contribuíam com pequenas espórtulas”.

  Agradeci a Deus pelos caminhos que usa para criar e manter comunidade. Lembrei-me de que história tem que ser contada a partir da vida e do testemunho que pessoas como Heinrich e Lina Haller souberam dar. Deus escreve de muitas maneiras.

* O autor é teólogo e professor de História na Unisinos em São Leopoldo (RS)

Fonte: Martin Norberto Dreher *

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