quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Luteranos mantêm igreja só para negros há 85 anos no Sul...

A origem da divisão está na proibição, no início do século 20, de ex-escravos e seus descendentes frequentarem os cultos dos imigrantes que vieram da Europa.


                         
Ismael de Souza Matos, 17 anos (esq.), o presidente da associação quilombola Marco Antônio Matos, 40 (centro) e Candido Nunes, 65 anos, em frente à Igreja Luterana Manoel do Rego. (Isadora Brant/Folha Press) 

 Ladeado por plantações de fumo e milho, um distrito rural no extremo sul do país mantém a rara tradição de dividir os fiéis luteranos em duas igrejas, separadas por apenas um quilômetro. Uma delas é “dos negros” e a outra, “dos alemães”.
 A origem da divisão está na proibição, no início do século 20, de ex-escravos e seus descendentes frequentarem os cultos dos imigrantes que vieram da Europa.
 Entrar em uma ou em outra igreja não é mais proibido. O costume de rezar em templos separados, porém, permanece em Canguçu, município de 57 mil habitantes a 300 km de Porto Alegre.
 A cidade tem o maior percentual de habitantes na zona rural do país (63%) e é o segundo maior produtor nacional de fumo. A maioria dos agricultores é de descendentes de alemães ou de remanescentes de quilombos.
 No quarto domingo da Quaresma, em março, a Folha visitou um culto da congregação Manoel do Rego, fundada em 1927. A maioria dos 28 presentes, de sobrenomes Silva, Borges e Souza, eram negros quilombolas.
 Perto dali, andando por uma estrada de terra margeada por casas simples do distrito de Solidez, chega-se à congregação Redentor, dos alemães. O pastor de ambas igrejas é Edgar Quandt, 62, descendente de europeus.

RARIDADE

 Os principais ramos luteranos em atuação no país, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil –à qual pertence a Manoel do Rego–, não têm registros de outro grupo com características semelhantes.
  Segundo o professor Ricardo Rieth, da Universidade Luterana do Brasil, o caso de Canguçu é isolado, pois as igrejas luteranas não permitiam a entrada de negros.
 Rieth diz que embora a igreja tenha desenvolvido no mesmo período outras missões em comunidades negras e indígenas do Rio Grande do Sul, havia resistência de imigrantes alemães para as tentativas de integração promovidas pelos pastores.
 Com a expansão das igrejas luteranas, não é rara a presença de negros entre os seguidores no Brasil.
Hoje, as duas congregações realizam festas e outras atividades conjuntas. O coral masculino da congregação Redentor tem integrantes das duas comunidades.
 “Não há discriminação, como às vezes parece de fora. Eles gostam de ter [cada um] a sua congregação. Há uma integração muito boa em toda a nossa igreja”, afirma o pastor Quandt.
 A ideia de unificar as duas igrejas foi debatida. Embora a relação seja definida como boa, a decisão foi de manter “cada um na sua”, diz o presidente da associação quilombola do local, Marco Antônio Matos, 40.

                               
Áurea de Souza é a primeira a chegar na Igreja Luterana Manoel do Rego; igreja de origem alemã é formada por maioria negra, em Canguçu (RS) Foto: Isadora Brant/Folha Press 


                               
Primeiras fiéis a chegarem na Igreja Luterana Manoel do Rego, em Canguçu (RS) Foto: Isadora Brant/Folha Press


                               

Resistência alemã contra integração gerou a fundação de uma igreja de maioria negra. Foto Isadora Brant/Folha Press 




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