Grupo de tradutores se reúne há dois anos e conta com o apoio de descendentes de imigrantes para superar o desafio
A localidade de Bom Jesus, no interior de São Lourenço do Sul, é o local de encontro de quatro descendentes de pomeranos que trabalham desde 2012 em um projeto inédito. Além de terem a mesma origem histórica, dois teólogos, um professor aposentado e um comerciante têm em comum um desafio que já provoca encantamento entre as comunidades da região. O grupo formado por Arnildo Münchow, Hilbert Wendler, Milton Vorpagel e Renato Blank (foto) se reúne semanalmente há dois anos para traduzir uma parte da Bíblia do Português para o Pomerano. A iniciativa faz parte de um projeto chamado “Jesus”, e que prevê num próximo estágio a dublagem de uma produção do final da década de 70, considerada uma das versões cinematográficas mais fieis às Escrituras Sagradas.
Traduzido para aproximadamente 1,2 mil línguas, o filme Jesus completa 35 anos em 2014 e caminha para sua primeira versão dublada em pomerano.
Um dos integrantes do grupo de tradutores é o pastor Arnildo Münchow (40). Natural de Camaquã, ele concluiu os cursos de Teologia e Jornalismo pela ULBRA. Depois passou a residir em Canguçu, onde atende comunidades da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Segundo o teólogo, a iniciativa não está ligada diretamente a uma igreja, mas à Cultura Pomerana de forma mais ampla. Ele explica que devido às suas origens, o trabalho acabou ganhando também um significado pessoal.
– O projeto tem contribuído no resgate de minha própria origem, da língua na qual minha mãe e meu pai falavam com a gente lá em casa. Colocar o texto na língua materna de tantas outras famílias, que ainda têm no pomerano sua base de comunicação, é como entrar na cozinha da casa delas, sentar ao lado do fogão, e contar sobre o amor de Deus a elas – conclui.
O pastor explica que a tradução representa um desafio ainda maior devido a não existência de material normativo da escrita pomerana.
– O que se tem até hoje, tanto aqui no Rio Grande do Sul como no Espírito Santo, são tentativas de escrita – avalia.
Diante da dificuldade, o grupo precisou elaborar, a partir de algumas regras da fonética, uma forma de escrita que se dispõe a usar as letras conforme o som próprio de cada uma delas.
– Isto representa desafios consideráveis, no sentido de que muitas palavras variam, em termos de pronúncia e sonoridade, de uma região para outra. Existem palavras muito parecidas no som da pronúncia mas que, no significado, são bem diferentes – afirma.
Até agora já foram reproduzidos pequenos textos, reflexões e historinhas bíblicas. A tarefa se torna mais difícil em relação ao Evangelho de Lucas (trecho da Bíblia usado na adaptação para o filme Jesus), pois nem todos os termos têm uma tradução direta para o Pomerano. Münchow explica que o trabalho exige tempo, paciência, persistência e muita conversa com os falantes pomeranos. Mas, segundo ele, um dos principais fatores para o êxito é manter a humildade diante da tarefa.
– Não se pode pensar que ‘eu é que sei e vai ser do meu jeito’. É um trabalho em equipe – explica o teólogo, que considera fundamental o apoio recebido da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). A entidade oferece estrutura e o acompanhamento permanente de um consultor de traduções, especialista no texto bíblico.
Cada etapa é traduzida com o auxílio de um programa especial para computadores. Nas reuniões, que ocorrem às quartas-feiras, os integrantes discutem os termos e possíveis adequações. Eles estão no Capítulo 12 do e pretendem, até o final do ano, concluir a tradução. Enquanto avançam, os integrantes propõem uma leitura do trecho traduzido para verificar se outros pomeranos conseguem entender o texto. Segundo a avaliação do grupo, o trabalho já rendeu bons frutos na região.
– De início a maioria acha difícil a leitura, mas a partir do segundo ou terceiro parágrafo, já passam a ler o texto de forma plenamente compreensível pelos que ouvem – relata o pastor.
Münchow recorda que durante a inauguração do Museu Pomerano, em São Lourenço do Sul, encontrou várias pessoas que chegavam a se emocionar lendo ou ouvindo a leitura da Bíblia na chamada língua do coração.
– O combustível do projeto é, principalmente, o grande número de pessoas idosas, que certamente terão uma compreensão muito melhor da palavra de Deus se for-lhes oferecido o texto em Pomerano – finaliza.